O tratamento de Radioterapia está sendo uma experiencia social interessante.
Para mim já foram 25 sessões diárias (isso mesmo, faltam só 3) ou seja, 5 semanas.
Você fica íntimo das pessoas aguardando sua vez.
É uma intimidade diferente, construída homeopaticamente. Aqueles 15 minutos de espera até entrar. Se o papo parou no meio, continua no dia seguinte.
Muitos não sei os nomes, não sei onde moram, mas conheço a luta, a ansiedade do desconhecido.
Conheci uma pessoa ótima que veio puxar assunto sobre o cabelo: "Estou ainda careca, por isso estou de peruca. Quanto tempo seu cabelo demorou para ficar deste tamanho?". Descobrimos que fazemos tratamento espiritual no mesmo lugar e já nos encontramos por lá!
Outra em inicio de tratamento queria ver se a pele está queimada e como está sendo a rotina.
Um senhor falante, voz grossa e alta, entrava e beijava todo mundo.
A esposa de um senhor ficava aguardando ele dizendo que estava se acostumando com o ambiente pois ela sabia que todos irão passar por ali um dia na vida.
Alguns iam sozinhos, como eu, outros com marido, esposa, filhos.
Casos simples de pessoas que não aparentavam nem estar doentes, casos que pareciam ser complexos ou terminais.
Você vê gente começando tratamento, gente terminando.
Gente chegando sem jeito no meio de um falatório danado, gente se despedindo.
Papos divertidos de pessoas bem humoradas. Uma troca de experiência absurda.
E você pensa: Eu não tenho problema, não tenho direito de reclamar da vida!
Hoje em especial me emocionei.
Estou acompanhando uma senhora de 94 anos fazendo radio por conta de um cancer na garganta.
Dois filhos, com idade para serem meu pai, acompanhavam ela todo dia! Todo dia.
Me perguntava, porque os dois traziam ela? Não podia ser apenas um, que se revezassem? Afinal é um fardo diário cansativo? Pelo carinho que eles se tratavam era uma familia unida.
Ela andava de cadeira de rodas, não falava por conta das irritações da radio mas estava lucida, sabia de tudo que estava acontecendo, segundo os filhos.
Uma vovó fofa, bem branquinha, sempre bem arrumada, cheirosa, não repetia sapato. Hoje estava com um brilhoso que parecia a Doroty do Magico de Oz.
Quando ela saiu da sala de tratamento estava com o rosto muito vermelho, tinha chorado.
A enfermeira trazia ela na cadeira de rodas e falou para os filhos brincando: "Juro que não maltratei ela, viu? Ela tá emocionada pois vai deixar a gente, hoje é o ultimo dia" e encheu ela de beijinho.
Ela com os olhos muito vermelhos e chorando olhou para a sala inteira e deu tchauzinho.
Seu olhos cruzaram os meus e eu li na hora nos seus olhos o que ela tava pensando.
"Acabou mais uma etapa".
94 anos e senti nos olhos vivos dela a Alegria de viver.
Na minha vez de tratamento, deitada na cama lembrei dos olhos dela , isso me emocionou bastante.
Escrevendo este post agora, tenho certeza que nunca esquecerei aquele olhar.
Só quem está ali naquela sala, fragil, entregue nas mãos de profissionais cuja responsabilidade é tamanha onde qualquer erro é fatal, sabe o que é.
É um tratamento cheio de significados.
Semana que vem, eu é que vou sentir a emoção do ultimo dia.
Se Deus assim quiser!
Alegria de Viver!